Uma terrível caricatura do conflito timorense foi a entrevista que Kirsty Sword-Gusmão deu à rádio australiana ABC. Kirsty é a mulher de Xanana Gusmão e, até ver, não tem legitimidade institucional de espécie alguma. No entanto, Kirsty, alcandorada a uma espécie de porta-voz autorizada do Presidente da República, praticamente demitiu Mari Alkatiri aos microfones da rádio australiana.
A cisão entre o Presidente da República e o primeiro-ministro timorenses fica clara das palavras da timorense-australiana Kirsty Sword-Gusmão: "Penso que vamos assistir a mudanças significativas. Acho que o Governo perdeu a confiança da população." À hora em que este jornal sai para a rua, é provável que Mari Alkatiri já não seja primeiro-ministro de Timor-Leste. Se, tal como afirmou Kirsty, Xanana Gusmão "continua claramente a ser uma figura de autoridade e as pessoas esperam que ele exerça a sua autoridade neste momento decisivo", o passo seguinte no desenrolar do conflito será a entrega da cabeça de Alkatiri.
Os últimos dias em Timor-Leste vieram fazer disparar, da maneira mais violenta, o mal-estar no país mais jovem do mundo. Há tensões e clivagens que vêm de longe, dos tempos da Resistência. Xanana Gusmão versus Alkatiri, Ramos-Horta versus Alkatiri, católicos contra laicos (ou, pior, muçulmanos laicos como Alkatiri).
Houve até agora um milagre timorense: desde 1999, o país foi-se construindo em relativa acalmia - consideradas as divisões internas da Resistência, os conflitos entre timorenses registados em 1975, a presumível dificuldade de reconciliação entre quadros da antiga administração indonésia e resistentes, a adopção da língua portuguesa só conhecida por maiores de 40 anos (a única língua que unifica todos os habitantes de Timor-Leste nem sequer é o tétum, mas o bahasa indonésio), a coexistência entre um país fortemente dominado pela Igreja Católica e um primeiro-ministro laico e muçulmano, a mais absoluta pobreza em que vive o povo, o analfabetismo, a falta de elites e, entretanto, o progressivo abandono das Nações Unidas.
Perante o caos instalado, quatro países, incluindo Portugal, voltam a entrar em Timor-Leste para "repor a ordem". O terrível desta imagem é que foi esse precisamente o argumento da invasão indonésia em 1975, aliás operada também com a cumplicidade de timorenses. É, agora como antes, a viabilidade do Estado que está em causa.
Ana Sá Lopes DN
A cisão entre o Presidente da República e o primeiro-ministro timorenses fica clara das palavras da timorense-australiana Kirsty Sword-Gusmão: "Penso que vamos assistir a mudanças significativas. Acho que o Governo perdeu a confiança da população." À hora em que este jornal sai para a rua, é provável que Mari Alkatiri já não seja primeiro-ministro de Timor-Leste. Se, tal como afirmou Kirsty, Xanana Gusmão "continua claramente a ser uma figura de autoridade e as pessoas esperam que ele exerça a sua autoridade neste momento decisivo", o passo seguinte no desenrolar do conflito será a entrega da cabeça de Alkatiri.
Os últimos dias em Timor-Leste vieram fazer disparar, da maneira mais violenta, o mal-estar no país mais jovem do mundo. Há tensões e clivagens que vêm de longe, dos tempos da Resistência. Xanana Gusmão versus Alkatiri, Ramos-Horta versus Alkatiri, católicos contra laicos (ou, pior, muçulmanos laicos como Alkatiri).
Houve até agora um milagre timorense: desde 1999, o país foi-se construindo em relativa acalmia - consideradas as divisões internas da Resistência, os conflitos entre timorenses registados em 1975, a presumível dificuldade de reconciliação entre quadros da antiga administração indonésia e resistentes, a adopção da língua portuguesa só conhecida por maiores de 40 anos (a única língua que unifica todos os habitantes de Timor-Leste nem sequer é o tétum, mas o bahasa indonésio), a coexistência entre um país fortemente dominado pela Igreja Católica e um primeiro-ministro laico e muçulmano, a mais absoluta pobreza em que vive o povo, o analfabetismo, a falta de elites e, entretanto, o progressivo abandono das Nações Unidas.
Perante o caos instalado, quatro países, incluindo Portugal, voltam a entrar em Timor-Leste para "repor a ordem". O terrível desta imagem é que foi esse precisamente o argumento da invasão indonésia em 1975, aliás operada também com a cumplicidade de timorenses. É, agora como antes, a viabilidade do Estado que está em causa.
Ana Sá Lopes DN
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